segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Um Hino à Gardunha

Orgulho-me de ser o autor do Hino dos Caminheiros da Gardunha, tal como sinto orgulho de ter estado na origem da formação do grupo Caminheiros da Gardunha-grupo de interesse pela natureza, que mais tarde deu lugar à associação com o mesmo nome.
O Hino foi concebido em 1992, tendo vindo a ser musicado pelo saudoso Manuel Alves dos Santos, em Maio do mesmo ano.
Quando em Abril de 1997 se realizou o I Encontro Nacional de Caminheiros Serra da Gardunha, decidi empreender uma "viagem" através da letra do Hino, sendo o seu relato dado a conhecer aos participantes do encontro. Dessa forma ficaram a perceber os motivos que me levaram à sua criação. Aqui fica.

Pelos carreiros da Gardunha

Só se ama o que se conhece.
Uma verdade que tem a ver com muitas outras situações,
mas que também aqui se mostra em toda a sua dimensão:
a Serra da Gardunha só é realmente amada por quem a conhece.

Existem e são a via de acesso a lugares recônditos e de rara beleza que a Serra da Gardunha oferece a quem se dispõe a utilizá-los.
São os carreiros, que ora se apresentam perfeitamente identificados, ora se escondem nos mantos de folhagem que as épocas outonais fazem sacudir das árvores que as geram.
Mas falar dos carreiros e caminhos da Serra da Gardunha, sem falar dos que mais os calcorreiam, não daria, no meu ponto de vista, verdadeiro sentido a este pequeno trabalho
E ponderada a forma de associar ao tema os Caminheiros da Gardunha, pareceu-me ter conseguido alcançar uma plataforma adequada, fazendo uma incursão, com as explanações possíveis, através do seu hino, que se quis fosse também um HINO À GARDUNHA.
Existem desde há mais de vinte anos na forma de um grupo surgido da ideia de agregar todos os que, numa fase inicial, calcorreavam caminhos e carreiros da Serra da Gardunha para manter a sua forma física e que, logo depois, passaram a ser os grandes apaixonados desse espaço que tanto de belo lhes oferecia e oferece.
São os "Caminheiros da Gardunha - grupo de interesse pela natureza", mais tarde constituído em associação sem fins lucrativos, que sempre funcionou de modo espontâneo, mas que já conta no seu historial com as mais diversas acções visando sempre a Serra da Gardunha, sejam no sentido da sua protecção contra incêndios, agressões ambientais ou de ordem ecológica, sejam no da sua promoção por intermédio de grupos congéneres, vindos de outras paragens, ou pessoas convidadas para participar em caminhadas conjuntas, que depois se transformam nos seus melhores promotores, nas áreas em que habitam.
Seria injusto não referir aqui as muitas outras pessoas, não integradas neste grupo, que também manifestam essa capacidade de amar a Gardunha,
Precisamente porque também a conhecem.
Assim como não seria justo deixar de realçar a intervenção em prol da grande causa que é a Serra da Gardunha, por parte de órgãos da comunicação social, locais mas não só, nomeadamente do "Jornal do Fundão" e "Diário de Notícias".
Caminhemos então pelo seu hino:

Nós somos os caminheiros
Da Gardunha verde em flor
Seja mato ou castanheiros
A tudo temos amor.
É domingo. Fora da cama
Nosso lema é madrugar
A Gardunha já nos chama
São horas de caminhar.

Contribuiu para a formação da ideia da criação do grupo Caminheiros da Gardunha uma frase em boa hora lida numa revista, citando o Doutor Balzli:-
"Toda a planta e todo o animal que se afasta da Natureza para ser domesticado e converter-se em "companhia" do homem, perde as suas características originárias.
E isso mesmo acontece ao homem que abandona o bosque e passa a sua vida entre quatro paredes.
Todo o ser vivo que abandona a sua comunhão interior com a mãe Natureza sacrifica as suas características fundamentais e chega a conhecer a doença e a degeneração".
De uma forma suave mas persistente, melodiosa mas intensa, a mãe Natureza desenvolve sobre nós um permanente chamamento, fazendo-o das mais variadas maneiras:
- Pela melodia dos sons que o vento produz nas ramarias, pelo chilrear de uma qualquer ave esvoaçando por ali ou pelo agradável murmúrio de uma queda de água;
- Pela intensidade dos tons vivos ou esbatidos, mas de uma harmonia plena, que qualquer época do ano nos oferece;
- Pela grandeza das coisas ou pelos mais pequenos pormenores que permitem estabelecer um paralelo dimensional;
- Pela beleza que nos é dado apreciar, precisamente quando postos em presença de tudo isso, a mostrar a nossa própria insignificância;
- Ou ainda pela oferta de tudo o que sustenta a vida, seja o ar que respiramos, seja o alimento de que carecemos.
Outras há que poderiam ser citadas.
Mas como fundamento do que pode associar-se à Serra da Gardunha, estas são mais que suficientes.
Porque a Serra da Gardunha, parte da mãe Natureza, fez o chamamento que as pessoas que foram aderindo a este grupo, souberam atender.
A importância da saúde esteve sempre presente, desde o primeiro momento em que surgiu a ideia de agregar pessoas ao grupo dos caminheiros.
Daí a escolha da Gardunha, como ginásio natural, para o desenvolvimento de actividades que contribuíssem para um rejuvenescimento físico e espiritual.
É, pois, elucidativo o primeiro "cartaz" concebido à mão, e sempre reproduzido da mesma maneira, num tempo em que as fotocópias eram ainda uma novidade muito cara para as possibilidades dos que lutavam pelo projecto.
Estes eram distribuídos pelas montras de cafés e outros estabelecimentos, convidando todos a vencer a "sorna" e juntar-se ao grupo.
E mais adiante, neste percurso através do hino dos caminheiros:

Ao chegar à Pedra d'Hera
Majestosa e altaneira
A beleza nos espera
Olhando a Cova da Beira.
Cavalinho para subir
No Casal vamos passar
Ao Picoto temos d’ir
E um ramo lá deixar.

Uma caminhada do grupo Caminheiros da Gardunha, nem sempre obedecia ou obedece a objectivos de percurso previamente estabelecidos.
O grupo reúne no local de partida, já de todos conhecido, o alpendre da capela de Nossa Senhora da Conceição, e aí se define qual o itinerário.
Mas há alturas do ano em que se toma mais vezes o rumo da Pedra d'Hera, a que vulgarmente chamamos a varanda para a Cova da Beira, ainda cercada das castinceiras a perpetuar a presença do que foram as frondosas e dionisíacas matas de castanheiros que, além do mais, eram fecunda garantia da segurança e imobilização das terras.
É a época das festas e romarias da região, com as tradicionais alvoradas de foguetes e de bandas de música.
A razão é simples.
É que aquele poiso, que nos permite uma visão majestosa da Cova da Beira, é também um sítio privilegiado para se ouvir o estoirar das alvoradas de foguetes, com o seu eco repercutido nas distâncias do espaço circundante, assim como a alvorada musical das bandas que animam essas festas e romarias.

As cerejeiras em flor
Duma lindeza sem par
São em Maio o amor
Que temos no Alcambar.
Água pura quer dizer
A palavra Arrebentão
Que tristeza não se ter
Dessa água no Fundão
.

Conhecer o Alcambar, por alturas de Abril ou Maio, é saber de uma beleza acrescida no todo de muito belo que é a Serra da Gardunha.
Pinturesco vale, a respeito do qual alguém escreveu:- "Paraíso imbricado de fruteiras e azenhas primitivas, no tapete esmeraldino de mil courelas minúsculas".
Hoje a sua fisionomia está bastante alterada.
Das azenhas, apenas resta uma ou outra construção com o seu traçado primitivo, e as courelas então existentes viram o seu espaço aumentado, tanto por agregação como pela arroteação de terras roubadas à encosta da Gardunha, com o fim de aproveitar a plantação de cerejeiras e destas o fruto de qualidade ímpar, devido ao microclima aqui existente e para elas de todo favorável.
E é da sua floração que se obtém o mais deslumbrante espectáculo, com tanto de belo como de efémero.
De semelhante apenas nos foi dado ver as amendoeiras em flor.
Os proprietários do que antes eram courelas de reduzidas dimensões, junto a Alcongosta, agora alargadas para grandes espaços em socalco, são crónicos negociantes da "caroça", como outros o são - poucos, agora - dos artefactos de verga, cuja matéria-prima lhes é dada pelas varas dos castanheiros ainda novos.
Os primeiros eram conhecidos por "corujeiros", tal como os segundos o eram, e ainda são, por cesteiros de Alcongosta.
Critica-se o exagero da implantação de cerejal, até para além da altitude aconselhável, em prejuízo de outras espécies, nomeadamente o pinheiro bravo e o castanheiro, que dia a dia se vêem desaparecer da Serra da Gardunha.
A voracidade do económico a manifestar-se aqui, como noutras situações, sem que haja uma tomada de posição da parte de quem devia exercer o necessário controlo.
Apenas se refere o facto, já que não está no âmbito deste escrito apontar soluções para o problema.
Mas na mesma linha de referência ao que de belo e de bom se encontra na Serra da Gardunha, que sendo privilégio dos que ali se deslocam, podia ser também disfrutado por quantos vivem na zona do Fundão, surge a cristalina água que brota no Arrebentão, onde os quase extintos vidoeiros assinalam a sua presença.
Um pouco dela nos será fornecido da conduta onde se junta a outra de inferior qualidade, chegando-nos a casa para tudo menos para beber, já que não corresponde à definição de pureza que lhe é própria: -transparente, incolor, insípida e inodora.
Não surpreende, pois, a decepção traduzida na tristeza de se ter o menos bom, quando se podia ter o melhor.
As caminhadas na Serra da Gardunha ajudam a estabelecer a diferença.

O crachá do caminheiro
É o prémio que se ganha
Mesmo não sendo o primeiro
Precisa chegar à Penha.
A subir ou a descer
Encostas da serrania
Dá-nos força p'ra viver
Toda a vida e mais um dia.


O orgulho de ser não se contenta com a simples afirmação.
Algo mais é necessário para lhe dar substância.
E ser caminheiro da Gardunha passou a ser algo que se aponta com orgulho.
Era pois indispensável alimentar o orgulho de ser.
E um símbolo foi instituído:- o crachá do caminheiro.
Da auscultação do sentir de quem o ambiciona, chegou-se à conclusão que, nada melhor para o engrandecer, do que um pequeno sacrifício que lhe atribuísse o valor da conquista.
E a meta foi estabelecida:- a Penha ou Senhora da Penha.
Nesse penhasco, que se sobrepõe a todos os que lhe estão perto, sob o qual se encontra uma gruta e vestígios de construções a que se associam as mais variadas lendas, cumpre-se o ritual da atribuição do crachá do caminheiro.
Não que se quisesse retirar do místico, que se atribui ao lugar, qualquer relação para a cerimónia de atribuição do crachá do caminheiro.
Mas a ter que existir um lugar para tal, feliz foi a escolha que se fez.
Alguém, vivendo numa grande cidade, qual floresta de cimento, me disse um dia, ao ver uma projecção de diapositivos sobre a Serra da Gardunha:
- Tendes as mais belas paisagens que já vi e tendes oxigénio de cortar à faca. Sois ricos. Defendei tudo isso que é de valor inestimável !
Quanto me embeveceu esse comentário e propositado conselho.
- Defendei tudo isso, que é de valor inestimável!
Bem sabemos da necessidade de defender a Serra da Gardunha.
Há muitos anos que alertamos para essa necessidade.
E os factos sempre nos têm dado razão, pois as calamidades, principalmente na forma de incêndios, não deixam de abater-se sobre ela em cada ano que passa.
Reflectindo, pode dizer-se que não basta ir de passo certo nesta grande marcha que todos fazemos ao longo do percurso da vida, numa relação íntima com a natureza e com os mais nobres propósitos a seu respeito.
Basta que quem comanda a marcha, senhores do poder e do mando, resolva trocar o passo, para que a confusão se instale, até que nova cadência se estabeleça, a possibilitar novo aproveitamento do tempo perdido.
De um modo figurado, apenas se pretende dizer que é surpreendente saber existir quem, com responsabilidade do mando e a força do poder, não se surpreenda com a beleza da Serra da Gardunha - ao menos pela beleza, senhores ? - que se disponha a acatar o conselho:- defendei tudo isso que é de valor inestimável!
Já para não falar das suas imensas potencialidades, que a outros incumbe dizer como aproveitar. Reflectindo, pode dizer-se que não basta ir de passo certo nesta grande marcha que todos fazemos ao longo do percurso da vida, numa relação íntima com a natureza e com os mais nobres propósitos a seu respeito.
Basta que quem comanda a marcha, senhores do poder e do mando, resolva trocar o passo, para que a confusão se instale, até que nova cadência se estabeleça, a possibilitar novo aproveitamento do tempo perdido.
De um modo figurado, apenas se pretende dizer que é surpreendente saber existir quem, com responsabilidade do mando e a força do poder, não se surpreenda com a beleza da Serra da Gardunha - ao menos pela beleza, senhores ! - que se disponha a acatar o conselho:- defendei tudo isso que é de valor inestimável!
Já para não falar das suas imensas potencialidades, que a outros incumbe dizer como aproveitar.
O usufruto de uma parte de tal riqueza já os Caminheiros da Gardunha o têm.
Mas traduzido tal legado para um hino, que se quer seja também um hino à Serra da Gardunha, haveria que o contabilizar de uma forma metafórica na vida do caminheiro.
E nada melhor do que, utilizando essa figura, atribuir ao rejuvenescimento físico que as caminhadas proporcionam, o valor simbólico de um dia "a mais" no todo da vida que a cada um está destinado.
Só se ama o que se conhece, foi dito a começar.
E os caminheiros conhecem bem a Serra da Gardunha.
Importa que muitos mais a conheçam.
Com esse propósito, que associa também a componente da fraternidade e amizade entre gentes de outros pontos do país, aqui serão promovidos encontros de caminheiros.
E também esses não deixarão de amá-la.
E amá-la é defendê-la.
Chega ao fim a incursão pelo hino dos caminheiros.
E o hino tem refrão:

Lá vamos nós, os caminheiros
A corta mato ou por carreiros
Lá vamos nós, os caminheiros
Pela Gardunha, sempre os primeiros.

domingo, 3 de janeiro de 2010

História do P/AD 1245

Esta história está escrita e é todo o conteúdo do blogue com o mesmo nome. A história da minha ida à guerra, que não vou repetir aqui. Apenas deixarei a ligação para ela.

Mas dito desta forma, poderá ser entendido que a história trata do relato de episódios dramáticos ou de sobrevivência em palco de guerra.

O palco era de facto o de guerra, a antiga colónia de Angola, onde se viveram verdadeiros dramas, que felizmente me passaram ao lado.

Apenas faço um relato resumido do que aconteceu em 26 meses de comissão militar, cujos episódios são, apesar de tudo e do afastamento forçado da família, uma experiência pessoal muito enriquecedora.